Friday, October 21, 2005

Respeito Radical

Na minha opinião, um dos maiores divisores de águas da humanidade aparece entre quem acredita que os valores vêm de fora e os que acreditam que os valores vêm de dentro.

Comecemos por um exemplo: quero emprestar um livro de um amigo mas ele não deixa porque quer as páginas imaculadamente preservadas, e só ele consegue fazer isso. "Esse cara é um louco; imagina, privar um amigo de um livro pra deixar as páginas lisinhas." O valor dado pelo amigo a isso é errado, todo mundo pode ver isso.

Comparemos este exemplo a um outro: quero almoçar com um amigo para contar-lhe de problemas na minha família. Ele se desculpa mas nega porque a mãe está doente e precisa de sua ajuda. Nada mais natural; o valor dado ao amigo às coisas, neste caso, está certo, todo mundo pode ver isso.

E no entanto, eu me pergunto, de onde vêm esses valores? Diriam talvez que preservar um livro é mais importante do que privar um amigo de ler algo que o interesse. Mais importante pra quem? Se a pessoa está tomando a decisão de preservar o livro ao invés de emprestá-lo, esse fato por si mesmo demonstra que, afinal, as páginas lisinhas são mais importantes do que a leitura do amigo, para essa pessoa.

Não existe uma tabela da ABNT listando ações, sentimentos, pessoas, e seus respectivos valores. Isso cada um tem que fazer por conta e risco. Ao reconhecermos este fato, somos obrigados a admitir que até preservar páginas lisinhas pode assumir um valor maior do que fazer algo por um amigo.

"Mas, Rodrigo, não é possível que você realmente acredite nisso," diriam alguns. "E um neurótico que passa o dia lavando as mãos? Devemos simplesmente aceitar que aquilo pra ele tem mais valor do que tudo aquilo que ele está perdendo?" Aí entra uma segunda consideração: as pessoas nem sempre têm uma percepção imediata dos seus valores mais profundos. Agimos, no agora, de uma maneira que muitas vezes contraria nossos valores quando considerados a longo prazo. Talvez mais pra frente aquela pessoa vá considerar o que perdeu ao passar o dia lavando as mãos e concluir que de fato não valeu a pena. Mas aí trata-se de um erro cognitivo, um erro de cálculo: a pessoa não previu corretamente as consequências dos seus atos, de acordo com seus próprios valores profundos. Isso não é a mesma coisa que ter valores errados.

"Ok, então pronto, quando digo que alguém tem um valor errado, estou querendo dizer é isso mesmo, que é um erro cognitivo, que não estão percebendo as consequências dos seus atos a longo prazo," insistirão alguns. A isso eu tenho duas respostas: primeiro, que frequentemente chegamos à conclusão de que alguém está em "erro cognitivo," mesmo que nós tenhamos pensado a respeito apenas por uma questão de segundos enquanto a pessoa, que vive aquilo, pensou a respeito por um tempo enormemente maior e com muito mais dedicação (já que é algo que a afeta diretamente), além de ser quem realmente tem grande parte da informação relevante disponível. Segundo que, de um ponto de vista externo, é impossível decidir se um comportamento é devido a um erro cognitivo ou a valores diferentes dos nossos. A única autoridade dos valores de alguém é esse alguém. Talvez para o cara realmente valha a pena lavar a mão daquele jeito, e daí? Só quem pode saber é ele.

É verdade que muitas vezes temos que estimar o valor que certas coisas podem assumir para alguém, já que nem sempre há possibilidade de saber isso diretamente. E aí nos baseamos no valor que algo tem para a maioria das pessoas. Isso até fornece uma "tabela" de valores, mas que nunca pode passar por cima dos valores professados por alguém diretamente.

Tudo isso vai em oposição frontal àqueles que acreditam que valores são ditados pela sociedade, Deus ou o "bom senso." Àqueles que acreditam, por exemplo, que ser gay é errado. Mas não falo só dessas pessoas. Isso é algo que praticamente todas as pessoas que eu conheço, incluindo eu mesmo, fazem: julgam os valores dos outros. Só que nós, que nos consideramos muito respeitadores e conscientes, o fazemos de forma velada para nós mesmos, de forma semi-consciente ou inconsciente. Até, ou talvez principalmente, contra nós mesmos. Vejo muitas vezes pessoas inteligentes e desenvolvidas com enormes conflitos porque estão trazendo valores de fora e desconsiderando os de dentro, sem se dar conta disso. Quem já não viu alguém dizer: "mas eu estou louco, eu não posso sentir isso"? Essa eu considero a maior manifestação de conflitos entre valores externos e internos. (E claro que essa minha constatação de quais valores dessas pessoas serem internos ou externos pode muito bem estar errada; é um chute.)

É pensando nesse tipo de coisa que me vêm à cabeça a expressão respeito radical. Algo a que eu almejo: respeitar tudo, 100%, até as "loucuras" mais extremas dos outros e de mim mesmo.

3 comments:

Luciana said...

Respeito é palavra essencial em tudo na vida, Rodrigo. Seu texto é muito mais sobre respeito do que sobre valores. Acho que o respeito tem sempre que prevalecer, porque através dele vamos longe.
Estou melhor sim, melhorando.
Um abraço sempre!

Luciana said...

Puxa, vc tem que atualizar isso aqui, menino!
Acabo de ler o que escreveu sobre a Patrícia e tb achei lindo. Também, como falar dela se não for lindamente, não?
Torço pra que um dia vc tenha a sorte e o prazer que tive em conhecê-la pessoalmente.
Um beijo grande, Rodrigo. Não suma vc também.
Adoro esse seu nome de Rodrigo! :) Até já comentei com a Patrícia.

Carla Carolina said...

Puxa, Rodrigo... que surpresa!

Estava hoje limpando a casa quando me surgiu mais uma idéia pra postar no meu blog.
Bem, até gravei para organizar a idéia melhor e escrever direitinho, só que antes disso, resolvi dar uma 'espiadinha' aqui e acabei lendo seu post ... puxa, a idéia é muito semelhante e fiquei temerosa de escrever e publicar e isso parecer plágio! Mas não é não, viu! Bem, ainda não escrevi...
Em todo caso, parabéns pelo seu texto...

Beijocas!