Saturday, December 04, 2004

Feminismo

Fui hoje a um festival chamado "Lunafest" no cinema de arte aqui em Urbana. Esse festival é anunciado como uma sequência de curta-metragens "sobre, feito por, para mulheres", e inclui desde um documentário sobre uma loja de sutiãs até uma história mais elaborada sobre uma jovem mexicana que engravida e decide não abortar e ir à luta (literalmente) na última hora.

Embora eu concorde que as mulheres ainda estejam em desvantagem no mundo, algo na premissa deste tipo de eventos e idéias me perturba. Parece haver a idéia de que se uma mulher enfrenta uma dificuldade, essa dificuldade é injusta e se deve ao fato de ela ser uma mulher, e o filme assume um tom de denúncia, quando algumas dessas dificuldades são inerentes aos seres humanos em geral. Em um dos filmes, por exemplo, uma mulher percebe que é uma heroína porque passou por dificuldades em sua vida: um divórcio e attention deficit disorder. Por que é isso uma temática feminina? O filme vem acompanhado com a idéia de que um divórcio é uma agressão contra a mulher, e de que ela se importa mais com família e casamento, uma idéia essa até bem machista.

Thursday, December 02, 2004

Tasso Jereissati

O três vezes governador do Ceará e agora senador Tasso Jereissati deu uma palestra aqui, primariamente para brasileiros, já que foi em português. Na verdade um bate-papo, já que quase a metade da uma hora e meia foi dedicada a perguntas da audiência pequena. Ele começou falando da incrível mudança na discussão política no Brasil nos últimos dois anos; antes, os partidos do poder não tinham chance de discussão porque a oposição (PT) simplesmente prometia o céu (aumento de três vezes do salário mínimo por exemplo), e os deixava com cara de agentes do mal (com acusações de não gostar dos velhinhos, não gostar dos funcionários públicos etc). Segundo ele, a probabilidade de ir falar em uma universidade e não ser vaiado era zero. Com a vitória do PT, a discussão tornou-se necessariamente centrada em assuntos mais objetivos.

Depois de enfatizar o grande simbolismo que foi a vitória de Lula e o fato de "não ter saído um murro sequer" por causa dessa vitória, ele prosseguiu dizendo que o governo é "muito, mas muito incompetente", salvando-se na área econômica graças à sorte de terem Palocci como ministro, que é alguém de muito bom senso.

Eu estava na primeira fila e acabei fazendo a primeira pergunta: perguntei sobre a corrupção, que em alguns lugares é praticamente institucionalizada, todos ao redor sabem que está, por anos a fio, e ninguém faz nada, citando por exemplo os fiscais de arrecadação. Queria saber o motivo disso. Ele culpou principalmente a legislação que torna quase impossível punir um funcionário público. Infelizmente alguém veio com outra pergunta antes de eu poder colocar que a legislação com certeza deve permitir a punição devido a corrupção, e perguntar porque é tão difícil mudar essa legislação.

Alguém colocou que o PSDB veio exigindo um salário mínimo de R$300,00 logo depois da eleição de Lula, mostrando que o debate político não tinha melhorado tanto assim. Depois de comentar que a reforma da previdência, no final das contas saiu por causa do voto do PSDB, ele até que se saiu bem, dizendo: "Olha, nós somos políticos, não somos santos; a hora que for pra tirar uma casquinha com certeza a gente vai tirar" (!)

Não pude deixar de notar que o senador, de tantos em tantos minutos, desabotoava o paletó, puxava as calças pra cima, e abotoava de novo, repetidas vezes. Talvez ele tenha que corrigir isso se for concorrer a presidente um dia. Aliás, ao ser perguntando sobre os nomes a concorrer pelo PSDB nas próximas eleições, ele mencionou Alckmin, Aécio Neves e o próprio Fernando Henrique.

Em geral, achei muito boa a discussão, com o senador mostrando bastante lucidez e pé na realidade apesar de algumas respostas incompletas.

Tuesday, November 23, 2004

Dois níveis

Resido na torre de marfim. Os dois níveis do mundo se apresentam. Divago pelas minhas mais de mil mensagens de spam, e também no mail estão os dois níveis: o mail oficial, polido e correto, subtextual, e o nível oculto, o do nível do spam, que grita uma enorme insatisfação, que fala de dor e sexo sem nenhum pudor. Jogamos o spam fora, mas é ali que a verdade mais básica se apresenta.

O nível oficial é mais sutil e perigoso. Já notou como em qualquer relação de duas pessoas existe o dito e o não-dito? Até aí tudo bem, mas o engraçado é que a gente se acostuma a pensar só no dito, e passa a acreditar que só conhece o dito, quando na verdade o que realmente conta e governa a situação é o não-dito. É esse que justifica tudo o que é feito , é o que determina os sentimentos, se aquilo vai pra frente ou morre ali mesmo. Mas fazemos tudo isso num canto escuro da mente, pensamos em tudo isso sem perceber que o fazemos.

Talvez ainda mais chocante seja percebermos que mesmo o lado do não-dito do outro conhecemos. É só parar por um minuto e se concentrar, e passamos a perceber o que o outro sente sem mostrar, o subtexto da história. Alucinação? Talvez, mas assim tão concreta, tão previsível? As coisas se desenvolvem como numa peça de teatro.

E o outro conhece o nosso não-dito também. Cada uma das partes pensa saber mais do que o outro lado, e assim vão se manipulando, se posicionando. Oficialmente trata-se de uma dança no escuro, mas ambos vêem, e ambos julgam que o outro não pode ver.

Que enorme sensação de poder que é sentir que se pode estar mais consciente desse lado oculto da vida e usá-lo para alguma coisa.