Wednesday, November 28, 2018

Doutorado nos Estados Unidos e Canadá

Um amigo pediu pra eu explicar como funciona o processo de doutorado nos Estados Unidos. Pensei em escrever aqui, assim pode talvez ajudar outras pessoas. É importante notar que eu passei por esse processo há 20 anos atrás, com uma internet que ainda não estava tão solidificada, portanto imagino que agora algumas coisas tenham mudado. Mas dei uma olhada online e os passos básicos parecem ser os mesmos.

Na época em que me candidatei, eu só via pessoas indo pra fora depois de fazer mestrado e assumi que ele era um requerimento. Foi só depois que cheguei nos EUA que vi que os americanos começam o doutorado imediatamente depois da graduação, e que os dois primeiros anos do doutorado são um mestrado. Por isso, é possível se candidatar apenas com a graduação. Porém, fazer o mestrado faz bastante sentido já que vai reforçar muito o seu currículo e demonstrar uma intenção e afinidade com o trabalho de pesquisa, principalmente se você conseguiu publicar artigos. Vai também te dar uma noção mais nítida da área, o que vai se refletir muito bem na candidatura. Por fim, vai te permitir receber cartas de recomendação muito melhores de professores.

Outra suposição importante que eu fiz e que estava errada foi de que é necessário ter bolsa do CNPq ou CAPES para ir estudar fora. Isso é totalmente falso! A maioria das universidades não cobra do aluno de doutorado, e ainda dá uma bolsa que permite ao estudante se manter por lá (embora, naturalmente, seja pouco). Essa bolsa é na verdade um salário vinculado a um emprego de monitor (dar assistência a professores e muitas vezes até dar aula), ou de assistente de pesquisa (que é basicamente fazer a pesquisa do seu doutorado). Essa oportunidade de trabalho é oferecida principalmente em departamentos melhor financiados, como os de engenharia, mas acredito que também exista em psicologia. Vale lembrar que o visto de estudante permite o trabalho nos EUA apenas na própria instituição de ensino, nunca fora dela.

As universidades americanas e canadenses recebem candidaturas para doutorado por volta de outubro ou novembro (todas têm instruções detalhadas nos seus sites sob "graduate school application"), e notificam a aceitação ou rejeição por volta de fevereiro ou março, com as aulas começando em setembro. Porém, é preciso começar a se preparar com muita antecedência; eu recomendo fazer um planejamento começando idealmente 18 meses antes de se candidatar, mas naturalmente dá pra comprimir isso para até mesmo alguns meses. Depois de explicar os passos do processo eu vou voltar nesta questão de tempo e comentar quais deles dependem mais ou menos de tempo.

O material de candidatura são mais ou menos esses:
  • Histórico escolar de todas as universidades concluídas até agora, tenha o curso sendo concluído ou não. Eles devem ser traduzidos para o inglês e certificados por um tradutor juramentado. O tradutor juramentado cobra, mas no meu caso, eu mesmo traduzi e pedi para o diretor do meu departamento da universidade certificar com o carimbo oficial que a tradução era fidedigna, o que ele fez sem cobrar nada;
  • Cartas de recomendação, tipicamente de professores da universidade, mas também possível de supervisores de trabalho ou estágio se o trabalho for relacionado com a área de interesse. Essas cartas devem ser mandadas diretamente por quem recomenda à instituição (você pode dar para eles um envelope já preparado e pago). Esse requerimento de sigilo (você não ver a carta para que a pessoa se sinta à vontade para ser honesto) é sub-entendido nos EUA e nem sempre explicitamente requerido nas instruções. Eu mesmo não sabia, pedi as recomendações abertas e eu mesmo enviei, mas isso não deve ter caído bem.

    Naturalmente faz sentido pedir cartas a professores que te conheçam bem, e com os quais você tenha feito matérias em que foi bem e mostrou seu interesse e potencial. Melhor ainda são professores com quem você tenha feito iniciação científica ou mestrado. Isso é um dos motivos de eu dizer que é preciso tempo para se preparar para a candidatura, já que fazer uma iniciação científica toma tempo. É também naturalmente importante tratar o projeto com seriedade e fazer um bom trabalho.
  • Resultados do exame de inglês TOEFL, que certifica um nível de proficiência suficiente para estudar fora, tanto escrito quanto oral, tanto em compreensão quanto fala. O TOEFL é administrado por lugares brasileiros licenciados por uma empresa americana. Quando eu fiz, a inscrição tinha que ser feita com vários meses de antecedência, e como eu não tinha esse tempo eu tive que ir fazer em Buenos Aires! Imagino que isso tenha mudado, mas é importante atentar pra isso, e é um dos motivos que me levam a dizer que a preparação tem que começar com bastante antecedência.
  • Resultados do exame GRE (Graduate Record Examination), que avalia habilidades analíticas gerais e da área específica da sua graduação. Esse é um ponto importante para brasileiros! Quando eu fiz, tratei como o TOEFL, marquei um dia e fui lá fazer. Pra não dizer que não me preparei, comprei uma apostila com problemas de testes anteriores e pratiquei durante uma semana. Isso não é bom porque estudantes na China e India fazem até cursinho preparatório para o GRE e praticamente gabaritam a prova, e é com eles que você estará concorrendo (porém imagino que os selecionadores saibam desse preparo todo e levem as tradições de preparo de cada país em consideração).
  • um "statement of purpose" de uma página ou duas descrevendo o que você gostaria de estudar ou fazer durante o doutorado. Isso não é naturalmente um compromisso, mas apenas para mostrar que você tem noção do que é um doutorado e da área. Isso também ajuda professores a decidirem se seus interesses são compatíveis com os deles. Existem várias amostras online, basta buscar por "statement of purpose sample".

No caso de você ser aceito, receberá uma carta (provavelmente um email antes disso) te notificando. Quando isso acontece, você tem um tempo para dizer se aceita ou não, até porque pode estar na feliz situação de ter que escolher para onde ir. Nesse período você pode se informar mais sobre o departamento em si, os professores, e o que fazem. A maioria das escolas têm dois ou três dias dedicados a receber "prospective students" e apresentar o departamento, o que é obviamente muito útil mas naturalmente mais caro de fazer estando no Brasil. Quanto a dinheiro, também é importante lembrar de que é necessário ter um dinheiro guardado pra tudo isso, já que as provas, preparação, e eventual viagem e hospedagem inicial em outro país vão custar.

Quanto à Europa, o processo é parecido embora ali me pareça não ser tão comum a oportunidade de trabalho na própria universidade e portante a necessidade de ir com uma bolsa brasileira (ou dinheiro próprio para aqueles que podem). Isso porém pode ter mudado ou depender de país para país.