Tuesday, March 28, 2006

Há vinte anos...

Há exatos vinte anos atrás, perdi um amigo.

Morávamos na mesma rua. Ele, franzino, pequeno, tímido, mas cheio de energia e imaginação. Sua brincadeira favorita era "já pensou se...", seguido de algo normalmente esdrúxulo e cheio de desdobramentos fantásticos. Ria muito. Gostava de segredos, de rixas, mas só as que não tinham importância. Leal, sempre se pondo ao meu lado e de meu irmão.

Um dia mudamos para Minas, por um ano. Quando visitávamos São Paulo, íamos ver a ele e aos outros amigos da rua. Quando voltamos, para uma outra rua, era o único que aparecia lá em casa, de repente, sem avisar, normalmente depois de uma longa caminhada, e ficava o dia todo. Topava qualquer brincadeira, jogava videogame durante horas.

Trabalhava muito e ajudava a família, sem nunca ter completado quinze anos. Meu pai um dia o empregou como office-boy, e por isso ele sempre tinha mais dinheiro que a gente. Gostava de me levar no Yokoyama e me pagar um pastel e um suco. Eu ficava grato, e um pouquinho sem-graça.

A família era religiosa e séria, testemunhas de Jeová. Nunca usava tênis e jeans, só calças compridas e sapatos. Sentava com as pernas num W impossível, do mesmo jeito que minha filha faz hoje, e também como ela tinha cílios longos.

Sempre que algo pequeno caía no chão, no escuro da rua, e eu não conseguia encontrar, eu o chamava e ele achava, o que impressionava toda vez.

Um dia fomos pra praia e ele foi junto. Entramos no mar, e só eu saí, no que foi um dia definitivo da minha vida. Vi sua mãe recebendo a notícia e nunca mais esqueci.

Marcelinho, lembro de você. Hoje e sempre.

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