Resido na torre de marfim. Os dois níveis do mundo se apresentam. Divago pelas minhas mais de mil mensagens de spam, e também no mail estão os dois níveis: o mail oficial, polido e correto, subtextual, e o nível oculto, o do nível do spam, que grita uma enorme insatisfação, que fala de dor e sexo sem nenhum pudor. Jogamos o spam fora, mas é ali que a verdade mais básica se apresenta.
O nível oficial é mais sutil e perigoso. Já notou como em qualquer relação de duas pessoas existe o dito e o não-dito? Até aí tudo bem, mas o engraçado é que a gente se acostuma a pensar só no dito, e passa a acreditar que só conhece o dito, quando na verdade o que realmente conta e governa a situação é o não-dito. É esse que justifica tudo o que é feito , é o que determina os sentimentos, se aquilo vai pra frente ou morre ali mesmo. Mas fazemos tudo isso num canto escuro da mente, pensamos em tudo isso sem perceber que o fazemos.
Talvez ainda mais chocante seja percebermos que mesmo o lado do não-dito do outro conhecemos. É só parar por um minuto e se concentrar, e passamos a perceber o que o outro sente sem mostrar, o subtexto da história. Alucinação? Talvez, mas assim tão concreta, tão previsível? As coisas se desenvolvem como numa peça de teatro.
E o outro conhece o nosso não-dito também. Cada uma das partes pensa saber mais do que o outro lado, e assim vão se manipulando, se posicionando. Oficialmente trata-se de uma dança no escuro, mas ambos vêem, e ambos julgam que o outro não pode ver.
Que enorme sensação de poder que é sentir que se pode estar mais consciente desse lado oculto da vida e usá-lo para alguma coisa.
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